segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A TERRA QUE RECEBEMOS

Recebi esse texto do professor Edézio e compartilho com vocês:

"Diz-se que a natureza é sábia. Não sei por quê. Dizem-no porque fez o que esperávamos e porque fez o que não esperávamos (e estávamos errados em nossas expectativas). Para fazer o Grand Canyon, ela não precisou estar com raiva, como não estava quando em tempos até pré-cabralinos rasgou voçorocas no Brasil, destampou cabeços rochosos, levando o solo que o processo geológico pede tempo para refazer — alguns milhões de anos. Tudo ela tem feito aproveitando nossa contribuição como espécie biológica, intuitiva; ou tecnogênica, legífera. A ação intuitiva dos primórdios não diferia da de hipopótamos e leões, ora ajudando a natureza a conformar a terra ora atrapalhando um pouco, nada que a ciclicidade climática não pudesse corrigir. Nas voçorocas de Cachoeira do Campo, por exemplo (e repito Cachoeira no propósito de lá ver voçorocas reabilitadas pelo povo, ajudado por governos; não por eles atrapalhado). O Homem erra, como errou lá e numa parte do Brasil maior que a Bolívia, só na erosão senso lato, incluindo voçorocas, deslizamentos e a raspagem feita pelo casco do boi, ininterrupta, sinistra, nas ladeiras do Paraibuna, Doce e Mucuri. O povo quer corrigir, mas qual o cenário? O cenário é de governos que atrapalham, embora nem destes eu possa acusar espírito destrutivo.

Exemplos de como governos atrapalham? Uma infinidade. Pensemos num às nossas portas. Belo Horizonte é montanhosa. Como qualquer cidade, produz resíduos, que um dia espero serem extintos pela reciclagem total. Os volumes são imensos. Então, onde os coloco, em território montanhoso, lembrando que resíduos não pagam passagem? O mais próximo possível, lógica natural, agora reforçada pelo efeito estufa, que seria ampliado pela queima de combustível no trânsito das pesadas caçambas. Segundo passo, no fundo do vale, meia-encosta ou alto da serra? Obviamente no fundo do vale. Onde está a maior parte ou parte substancial dos resíduos inertes em Belo Horizonte? Na meia-encosta, lá jogados, não tecnicamente dispostos, por falta de consciência ou de opção.

Agora, declaração que faço sem pretensão de alarmar: Se tivesse chovido aqui a metade do que choveu em Santa Catarina grande parte dos resíduos dispensados e ora escondidos na meia-encosta de Belo Horizonte, teria deslizado para os fundos do vale, onde deveriam ter sido postos desde o início, levando casas construídas sobre eles, casas em risco de posição abaixo deles e possivelmente até edifícios maiores. Recebemos uma terra indiferente a nós. Cabe a nós melhorá-la, e nós a pioramos. Nas cidades montanhosas os aterros de resíduos devem se feitos nos fundos dos vales, para estabilizar a baixa encosta, purificar a água, perenizar nascentes, reduzir inundações e remover insalubridades típicas dos brejos. Reurbanizemos os fundos dos vales, enquanto é tempo. No plano mais geral do território a lei precisa restituir a liberdade de ação de quem conhece."

Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro Geólogo

Fonte: Jornal "O Tempo" - 12/12/08

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